quarta-feira, 20 de fevereiro de 2008

Ladrões de Vivências


O meu primeiro conto on line...

Devia ter ido à aula de yoga. Neste momento estava a sentir falta dos exercícios de respiração. Voltou a poisar os olhos no pacote desembrulhado. “É difícil acreditar que isto está mesmo a acontecer comigo!” Com dedicatória e tudo, não deixava margem para dúvidas. Voltou a folheá-lo lentamente, página a página.
Afundou-se no puff verde bandeira salpicado de malmequeres, e decidiu fumar um cigarro. As mãos estavam tão trémulas que suspeitou que não iria conseguir usar o isqueiro. Nem fazia ideia do seu paradeiro, já não o utilizava “há séculos”. A verdade é que tinha decidido parar com este vício perfeitamente dispensável! Abriu a janela de par em par e soube-lhe bem sentir a brisa matinal. Nenhuma mudança digna de registo desde a noite anterior. As mesmas cores neutras de Outono, os odores característicos, o ruído citadino. De súbito, uma chuva miudinha obrigou-a a fechá-la, num gesto contrariado.
Focou a sua atenção nos peixes do aquário, que pareciam estar a dançar uma valsa. Tentou organizar as ideias, as quais se baralhavam num amontoado sem sentido, na sua cabeça. “Usou-me assim sem mais nem menos!” Recordou a amizade cheia de cumplicidades entre as duas. As conversas amenas que se prolongavam pela noite dentro, a troca de confidências, segredos comprometedores. A sua existência estava agora reduzida a um romance “light”, de quinta categoria. Manipulado, levado ao excesso de forma a aumentar o presumível interesse do leitor, e o volume de vendas!?Best-seller??? Tinha sérias dúvidas acerca da veracidade desta afirmação, que a deixou assustada. Os palavrões que conhecia, e não tinha por hábito dizer, pareciam-lhe insuficientes para a classificar. Sabia que M.... (não estava sequer com coragem para pronunciar o seu nome) sempre sonhara escrever um livro. Pelos vistos tinha encontrado um enredo à sua medida, o facto de o ter “roubado”, pouco importava neste caso, “não olhar a meios para atingir os fins”. A pergunta continuava a pairar, transformando-se num denso nevoeiro. “Ia ou não à noite de lançamento, marcada para hoje?” Mostrar-se-ia deslumbrante e contente pelo sucesso de M.... Uma cena teatral da vida privada, acompanhada de sorrisos cínicos e abraços forçados. Talvez... De repente surgiu-lhe uma ideia luminosa, e sentiu-se mais confiante. “A vingança serve-se fria e com todos os requintes de malvadez.” Desta vez a grande estreia seria a sua, no papel de “má da fita”.

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